A imagem que ilustra esta postagem foi feita por mim, quando ainda atuava na Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, hoje extinta, numa residência de um bairro da zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Parece cena de algum pós-guerra, não? Trata-se de uma situação não rara de encontrarmos e, quem sabe?, talvez você conheça alguém que esteja passando por algo semelhante. Pessoas que têm compulsão por recolher e acumular em casa, de forma desproporcional, toda a sorte de lixo e entulhos sofrem da chamada Síndrome de Diógenes, e as que fazem o mesmo com animais padecem da Síndrome de Noé, segundo especialistas uma derivação da primeira, também conhecida como transtorno de acumulação de animais. Ambas podem ocorrer simultaneamente, diga-se de passagem.
Separei uma imagem que não chocasse muito, já que normalmente nessas situações – e vivenciei algumas – o que se vê é algo absolutamente dramático. As pessoas perdem completamente a noção de que a quantidade de cães e/ou gatos que vivem sob o mesmo teto, e às vezes nem quintal há no imóvel, é muito maior do que se poderia supor razoável. Mal há recursos para mantê-los, o que faz a pessoa passar por privações extremas, sem contar as questões sanitárias e de higiene. Normalmente os vizinhos dão o alarme e acionam o Poder Público para que se tome alguma providência, pois o ruído dos animais e o odor que emana do local são, por vezes, intensos e incômodos.
Uma dissertação de mestrado apresentada na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul pela psicóloga Elisa Arrienti Ferreira, cujo resultado foi publicado ano passado, mostrou uma maior prevalência de mulheres (73%) e de idosos (64%) na amostra utilizada. Verificou-se também que o transtorno apresenta, segundo o trabalho, comorbidade com sintomas depressivos, maníacos, obsessivo-compulsivos, de ansiedade e déficits de memória.
Por aqui não há, pelo menos publicizado, um diagnóstico fidedigno desse problema. Ao contrário do que verificamos em algumas cidades brasileiras, salvo melhor juízo não sabemos quantos acumuladores existem, se estão recebendo alguma assistência psicológica e nem o quantitativo de animais que sobrevivem a essa condição deplorável de maus-tratos, muitas vezes passando fome, com higidez precária e, em sua grande maioria, sem estarem esterilizados e nem vacinados/vermifugados.
Na opinião de quem já viu esse filme algumas ocasiões, não há uma política pública clara e eficiente para se tentar dar solução a esses tristes casos. Pelo que observamos em nossas atuações, a família é a primeira a se afastar do acumulador e, por pressão de quem mora perto e até mesmo de protetores, inicia-se de forma equivocada a intervenção com a retirada emergencial dos animais da residência, direcionando-os a um abrigo público, normalmente já repleto, ou conseguindo-se, com alguma dificuldade, um lar temporário de algum bom samaritano. Importantíssimo ressaltar que o fator causal lá permanece, totalmente intocado, se a iniciativa ficar apenas por aí. Caso o acumulador não seja devidamente atendido e acompanhado por uma equipe multiprofissional, em pouquíssimo tempo ele trará de volta quantos animais puder resgatar das ruas, isso quando a própria vizinhança não se encarrega de abandoná-los em sua porta, pois sabe que serão colocados para dentro em seguida e receberão todos os “cuidados” necessários. Melhor dentro da casa do que nos logradouros, pensariam alguns…
Tudo de positivo que fizemos à época foi, a bem da verdade, na base de contatos pessoais e, de certa forma, até com algum improviso. Além de colegas da Saúde, acionávamos também assistentes sociais e a companhia de limpeza urbana, que levava nos caminhões, sem exagero, toneladas de entulhos. Como está agora francamente não sei, mas o caminho das pedras está visível para quem quiser trilhar por ele.