O imbróglio da água no Rio

Contrastando com a placidez momentânea das águas do rio Guandu, retratada na imagem que fiz sobre uma ponte que liga os municípios fluminenses de Nova Iguaçu e de Seropédica, na BR-465, iniciamos 2020 com uma grande e anunciada tragédia: a ameaça à segurança hídrica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que a princípio abrangeria toda a Capital e mais as cidades da Baixada Fluminense.

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) informam que a questão se deve ao despejo de esgoto em rios que deságuam a menos de 50 metros da estrutura de captação da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), como os rios Ipiranga e Queimados, por exemplo.

Longe de mim querer – ou mesmo pensar – em isentar a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE) de suas responsabilidades, mas podemos concluir o seguinte: se a água bruta entra numa Estação de Tratamento de Água (ETA), seja ela qual for, cada vez mais poluída, chegará o momento em que nenhuma intervenção física ou química trará resultados que garantam a sua potabilidade. Foi basicamente isso o que disse recentemente Adacto Ottoni, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em entrevista ao RJTV-1.

Incrementando esse quadro sombrio, o sanitarista Isaac Volschan, do Depto. de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Escola Politécnica da UFRJ, informou no RJTV-2 que a poluição dos rios do município de Queimados, que desaguam no Guandu depois de passar por várias cidades da Baixada Fluminense, é um dos principais problemas da captação de água. Volschan aponta que a origem do esgoto estaria nos afluentes do rio Guandu e não nas comunidades do seu entorno. Eu concordo parcialmente.

Basta percorrer um curto trecho da estrada que citei no primeiro parágrafo, muito próximo à ETA-Guandu, para ver, com clareza absoluta, que há diversas edificações construídas praticamente às margens daquele rio, em total desobediência ao que prescreve a Lei Federal nº 12.727, de 17 de outubro de 2012: Caso as obras sejam feitas próximas aos cursos d’água naturais, perenes e intermitentes, que são considerados Áreas de Preservação Permanente (APP), a distância permitida pelo Código Florestal é de 30 metros, para os cursos d’água de menos de 10 metros de largura; 50 metros, para os cursos d’água que tenham de 10 a 50 metros de largura; 100 metros, para os cursos d’água que tenham de 50 a 200 metros de largura; 200 metros, para os cursos d’água que tenham de 200 a 600 metros de largura; e 500 metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 metros.

E aí começa o famoso e esperado “jogo de empurra”. Essa é uma questão municipal, estadual ou federal? O Instituto Estadual do Ambiente (INEA) se adianta e anuncia que a ocupação do solo e a gestão do esgotamento sanitário são da alçada dos municípios. Ora, quem fiscaliza isso? A coisa me parece estar no melhor estilo a la vonté.

Flagrante que fiz na BR-465, muito próximo à ETA-Guandu. Esse é o lixo que conseguimos ver. Mas há também o que é lançado no rio: plásticos, móveis, geladeiras, veículos, etc. Educação ausente.

Além do problema das construções que, salvo absoluto engano, são flagrantemente ilegais ainda há descarte irregular de lixo por alguns cidadãos que lá residem e precariedade ou ausência total de esgotamento sanitário. Segundo estudo feito em 2018 pelo Instituto Trata Brasil, chegou-se à conclusão de que apenas 45% do esgoto gerado no Brasil passa por tratamento. Isso quer dizer que os outros 55% são despejados diretamente na natureza, o que corresponde a 5,2 bilhões de metros cúbicos por ano ou quase 6 mil piscinas olímpicas de esgoto por dia. Continuando nessa toada, em breve teremos de fazer greve de sede… ou então seguir os caminhos percorridos pelo Aedes aegypti.

Adaptação que fiz de um meme de internet recebido pelo WhatsApp. Estamos chegando lá?

Sobre Mauro Blanco

Sou carioca da gema, morador da Zona Oeste, tricolor, bacharel e mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e servidor concursado da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Já atuei como Oficial Temporário no Exército Brasileiro, na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (como Subgerente na Gerência de Vetores), na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (como Coordenador de Controle de Vetores, Coordenador de Vigilância Ambiental em Saúde e Diretor do Centro de Vigilância e Fiscalização Sanitária em Zoonoses Paulo Dacorso Filho), e na Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, instância pertencente à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como Subsecretário.
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6 respostas para O imbróglio da água no Rio

  1. Edinaldo disse:

    A natureza e seus recursos são finitos ! Claro que um dia a conta, por tanta ocupação irregular e crescimento desorganizado chegaria! Lamentável

    • Mauro Blanco disse:

      É uma equação que sabemos do resultado. Leis mais duras, fiscalização enérgica e população educada (também no que se refere às questões ambientais) é tudo o que precisamos… com urgência! Quanto à sensibilização das pessoas sabemos que isso é um processo, que no Brasil se mostra trôpego há décadas, mas em relação aos demais itens que apontei acima me parece que é basicamente questão de vontade política. Se os nossos representantes fizessem menos maracutaias e trabalhassem mais em prol da sociedade, talvez o quadro não estivesse tão caótico. Isso em todas as áreas. Obrigado pela contribuição, amigo Edinaldo.

  2. Josias disse:

    Mas seria mesmo esta a causa do problema da contaminação da água distribuída pela CEDAE? Pelo modo como a contaminação surgiu assim de forma repentina; subentende-se que a causa do problema, seguindo essa mesma lógica, tenha sido algo recente, um “estopim” que incendiou uma casa que já estava prestes a tombar. Porém há de se considerar, que os motivos elencados nesta pesquisa, também tenham contribuído significativamente para causar ou agravar uma possível . situação não detectada, como esta que você denunciou.

    • Mauro Blanco disse:

      Perfeito, Josias. Há uma conjunção de forças que possibilitou o aparecimento do problema: esgoto sendo lançado diretamente e sem tratamento nos leitos dos rios, inúmeras construções irregulares em suas margens – por conta da inação do Poder Público – falta de educação da população, etc. Conforme ressaltado no texto, corroborando com o que disse o pesquisador da UERJ, Prof. Adacto Ottoni, chegaremos num ponto em que não haverá como tratar uma água com níveis de poluição tão altos.

  3. Josias disse:

    Parabéns Dr. Mauro Muito boa essa sua visão e percepção.

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