Quando a vacina chegar…

Larvas do mosquito da Dengue. Imagem feita pelo médico veterinário Antonio Cláudio Faria Machado em 02/04/2011.

Desde a minha época de caserna, quando iniciava trabalhos com mosquitos de importância em Saúde Pública, incluindo aqui o famoso Aedes aegypti, ouvia dizer que a vacina contra a Dengue estava chegando. Lá pelos idos de 1991, as autoridades públicas já falavam que a vacina chegaria “daqui a cinco anos”. Os tais cinco anos se passavam e, mais adiante, assertiva semelhante era, novamente, propalada aos quatro ventos: “A vacina contra a Dengue chega daqui a cinco anos!”. Até “peixe grande” do governo federal embarcou nessa fala cabalística. Passaram-se alguns anos e mais uma vez a vacina está quase aí…

Bom, atravessamos vinte anos no tempo e parece que o imunobiológico está chegando mesmo. A vacina será testada, a partir de junho/2012, em trezentos voluntários. Isso acontecerá no Instituto Butantan, em São Paulo.

Fico pensando no impacto que a vacina causará nas ações de campo contra o mosquito da Dengue. Grande parte do aparato pseudomilitar preconizado nessa empreitada será desmobilizada e os gestores públicos deverão estar preparados para redirecionar a verdadeira tropa de profissionais da Vigilância em Saúde existente para outras questões cruciais e que hoje relativamente pouca relevância – e infra-estrutura – possuem no Brasil: as doenças emergentes e reemergentes, os animais sinantrópicos e os fatores de risco não biológicos (ar, solo, água, desastres naturais, acidentes com produtos perigosos, radiações, etc.).

A vacina é muito bem vinda, claro. Além de evitar o adoecimento e salvar vidas, certamente fará com que práticas seculares deixem de existir como rotina operacional. Uma delas, que irá tarde, é o malfadado ultrabaixo volume, conhecido popularmente como “fumacê”. Salvo melhor juízo, não há estudo que tenha comprovado o quão nefasto à Natureza é essa “bomba ambiental”. Sim, porque ela mata todos os organismos vulneráveis que estão na rua, e, lá dentro de nossas casas, está o mosquitinho normalmente protegido atrás da cortina, debaixo da escrivaninha ou dentro do armário (literalmente). “Fumacê” extermina insetos que fazem parte da cadeia alimentar de inúmeros animais – inclusive predadores do Aedes aegypti!!! Pássaros e morcegos estão entre as vítimas. Causa, também, problemas respiratórios e alérgicos em pessoas sensíveis ao inseticida borrifado nos logradouros. É uma estratégia cara, com logística pesada e que pode fragilizar a saúde, em magnitudes diversas, dos profissionais que trabalham diretamente nela.

Infelizmente as empresas particulares continuarão a utilizar o seu “fumacê”, talvez com o mesmo olhar complacente que hoje o Poder Público lhes oferece, principalmente nos condomínios cujas cotas mensais dos moradores permitem pagar o preço de ouro que cobram. Resta perguntar: qual o efeito prático disso? Resposta: selecionar linhagens de mosquitos cada vez mais resistentes aos inseticidas.

Sobre Mauro Blanco

Sou carioca da gema, morador da Zona Oeste, tricolor, bacharel e mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e servidor concursado da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Já atuei como Oficial Temporário no Exército Brasileiro, na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (como Subgerente na Gerência de Vetores), na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (como Coordenador de Controle de Vetores, Coordenador de Vigilância Ambiental em Saúde e Diretor do Centro de Vigilância e Fiscalização Sanitária em Zoonoses Paulo Dacorso Filho), e na Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, instância pertencente à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como Subsecretário.
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6 respostas para Quando a vacina chegar…

  1. prezado Mauro,
    Concordo plenamente com você, com a chegada da vacina da dengue, o que acontecerá com todo o amparato logistico e financeiro que acontece no caso de epidemia ? mas a vacina se existir, pois como você já comentou com uma demora de 20 anos, estou como tomé só acredito vendo. abs

  2. Meri Baran disse:

    Mauro, existem 6 vacinas candidatas. A única que está na fase 3 é a da Sanofi Pasteur, que já está sendo testada em 5 capitais brasileiras e também na Ásia-Tailândia. Parece que já está dando resultado com boa eficácia e baixa reatogenicidade, mas até que os estudos fiquem prontos com aprovação da ANVISA, etc, etc,calcula-se que talvez em 2015 ela possa estar licenciada. Escrevi uma matéria no meu blog bem atualizada sobre a vacina do dengue: http://www.meribaran.blogspot.com. Meri Baran

  3. Antonio Cláudio disse:

    Oi Mauro! A vacina será, é claro, muito bem vinda. Mas a negligência ao combate aos mosquitos no futuro (se é ruim hoje, como será quando a vacina chegar?), favorecerá o surgimento de epidemias de novas arboviroses (Chikungunya por exemplo) sem falar na velha F.A…

    P.S. A minha mulher está com Dengue… No Masao Goto, aqui próximo de casa, já são 250 atendimentos dia/media. O atendimento no posto foi bom, foram realizadas todas as verificações de sinais de alerta e vi muitas transferências de casos graves… Ontem, foi surpreendentemente rápida a transferência de quatro casos para o hospital de Acari, mas sabemos que esse fato é uma exceção e com o aumento da casuística tende a faltar leitos e mortes desnecessárias começarão. Parece que a política atual é esta, focar no atendimento clínico.
    Um abraço!

  4. FABIANY COSTA VERAS disse:

    eu queria saber aonde vão parar os agentes de endemias?

    • Mauro Blanco disse:

      É uma questão interessante, cara Fabiany. Tive a feliz oportunidade, num passado recente, de trabalhar diretamente com essa classe. Esses valorosos profissionais são muito mais do que “mata-mosquitos”, como alguns ainda teimam em intitulá-los. Para mim essa denominação é discriminatória, além de pejorativa. Os Agentes de Endemias estão inseridos no SUS, merecem todo o respeito por parte da Sociedade e dos Gestores Públicos, e são, por excelência, Educadores em Saúde. Há uma gama gigantesca de trabalho fora do controle da Dengue, que em breve será feito através de vacinação, conforme citei no texto.

  5. Cleomar Alves disse:

    È Amigo, concordo plenamente com vc e já estamos discutindo este assunto á algum tempo trazendo para o discurso o novo modelo de atenção á saúde que propõe a descentralizações de ações e que possibilita estrutura legitimas com a participação dos agentes de forma representativa nas práticas de promoção da saúde.
    Um forte abraço

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