Desde a minha época de caserna, quando iniciava trabalhos com mosquitos de importância em Saúde Pública, incluindo aqui o famoso Aedes aegypti, ouvia dizer que a vacina contra a Dengue estava chegando. Lá pelos idos de 1991, as autoridades públicas já falavam que a vacina chegaria “daqui a cinco anos”. Os tais cinco anos se passavam e, mais adiante, assertiva semelhante era, novamente, propalada aos quatro ventos: “A vacina contra a Dengue chega daqui a cinco anos!”. Até “peixe grande” do governo federal embarcou nessa fala cabalística. Passaram-se alguns anos e mais uma vez a vacina está quase aí…
Bom, atravessamos vinte anos no tempo e parece que o imunobiológico está chegando mesmo. A vacina será testada, a partir de junho/2012, em trezentos voluntários. Isso acontecerá no Instituto Butantan, em São Paulo.
Fico pensando no impacto que a vacina causará nas ações de campo contra o mosquito da Dengue. Grande parte do aparato pseudomilitar preconizado nessa empreitada será desmobilizada e os gestores públicos deverão estar preparados para redirecionar a verdadeira tropa de profissionais da Vigilância em Saúde existente para outras questões cruciais e que hoje relativamente pouca relevância – e infra-estrutura – possuem no Brasil: as doenças emergentes e reemergentes, os animais sinantrópicos e os fatores de risco não biológicos (ar, solo, água, desastres naturais, acidentes com produtos perigosos, radiações, etc.).
A vacina é muito bem vinda, claro. Além de evitar o adoecimento e salvar vidas, certamente fará com que práticas seculares deixem de existir como rotina operacional. Uma delas, que irá tarde, é o malfadado ultrabaixo volume, conhecido popularmente como “fumacê”. Salvo melhor juízo, não há estudo que tenha comprovado o quão nefasto à Natureza é essa “bomba ambiental”. Sim, porque ela mata todos os organismos vulneráveis que estão na rua, e, lá dentro de nossas casas, está o mosquitinho normalmente protegido atrás da cortina, debaixo da escrivaninha ou dentro do armário (literalmente). “Fumacê” extermina insetos que fazem parte da cadeia alimentar de inúmeros animais – inclusive predadores do Aedes aegypti!!! Pássaros e morcegos estão entre as vítimas. Causa, também, problemas respiratórios e alérgicos em pessoas sensíveis ao inseticida borrifado nos logradouros. É uma estratégia cara, com logística pesada e que pode fragilizar a saúde, em magnitudes diversas, dos profissionais que trabalham diretamente nela.
Infelizmente as empresas particulares continuarão a utilizar o seu “fumacê”, talvez com o mesmo olhar complacente que hoje o Poder Público lhes oferece, principalmente nos condomínios cujas cotas mensais dos moradores permitem pagar o preço de ouro que cobram. Resta perguntar: qual o efeito prático disso? Resposta: selecionar linhagens de mosquitos cada vez mais resistentes aos inseticidas.
prezado Mauro,
Concordo plenamente com você, com a chegada da vacina da dengue, o que acontecerá com todo o amparato logistico e financeiro que acontece no caso de epidemia ? mas a vacina se existir, pois como você já comentou com uma demora de 20 anos, estou como tomé só acredito vendo. abs
Mauro, existem 6 vacinas candidatas. A única que está na fase 3 é a da Sanofi Pasteur, que já está sendo testada em 5 capitais brasileiras e também na Ásia-Tailândia. Parece que já está dando resultado com boa eficácia e baixa reatogenicidade, mas até que os estudos fiquem prontos com aprovação da ANVISA, etc, etc,calcula-se que talvez em 2015 ela possa estar licenciada. Escrevi uma matéria no meu blog bem atualizada sobre a vacina do dengue: http://www.meribaran.blogspot.com. Meri Baran
Oi Mauro! A vacina será, é claro, muito bem vinda. Mas a negligência ao combate aos mosquitos no futuro (se é ruim hoje, como será quando a vacina chegar?), favorecerá o surgimento de epidemias de novas arboviroses (Chikungunya por exemplo) sem falar na velha F.A…
P.S. A minha mulher está com Dengue… No Masao Goto, aqui próximo de casa, já são 250 atendimentos dia/media. O atendimento no posto foi bom, foram realizadas todas as verificações de sinais de alerta e vi muitas transferências de casos graves… Ontem, foi surpreendentemente rápida a transferência de quatro casos para o hospital de Acari, mas sabemos que esse fato é uma exceção e com o aumento da casuística tende a faltar leitos e mortes desnecessárias começarão. Parece que a política atual é esta, focar no atendimento clínico.
Um abraço!
eu queria saber aonde vão parar os agentes de endemias?
É uma questão interessante, cara Fabiany. Tive a feliz oportunidade, num passado recente, de trabalhar diretamente com essa classe. Esses valorosos profissionais são muito mais do que “mata-mosquitos”, como alguns ainda teimam em intitulá-los. Para mim essa denominação é discriminatória, além de pejorativa. Os Agentes de Endemias estão inseridos no SUS, merecem todo o respeito por parte da Sociedade e dos Gestores Públicos, e são, por excelência, Educadores em Saúde. Há uma gama gigantesca de trabalho fora do controle da Dengue, que em breve será feito através de vacinação, conforme citei no texto.
È Amigo, concordo plenamente com vc e já estamos discutindo este assunto á algum tempo trazendo para o discurso o novo modelo de atenção á saúde que propõe a descentralizações de ações e que possibilita estrutura legitimas com a participação dos agentes de forma representativa nas práticas de promoção da saúde.
Um forte abraço