Achei importante fazer esta postagem visando deixar registrada, para além dos inúmeros documentos que fiz à época, e que se já não foram incinerados jazem em arquivos mortos de algum empoeirado almoxarifado, a existência de uma importante estratégia que teve início no município do Rio de Janeiro entre os anos de 2004 e 2005 e que objetivou otimizar o controle do Aedes aegypti, que naqueles tempos trazia apenas a Dengue como agravo à saúde.
Para quem não viveu diretamente essas chamadas “operações de campo”, faz-se necessário informar que todos os passos dados pelos Agentes Controle de Endemias (ou de Vigilância em Saúde, ou de Controle de Vetores, etc.) eram direcionados por um manual de normas técnicas do Ministério da Saúde intitulado “Instruções para Pessoal de Combate ao Vetor”. Francamente, não sei como essas ações ocorrem hoje e nem qual instrumento é utilizado como norte, mas nos quase 10 (dez) anos em que estive à frente da extinta Coordenação de Controle de Vetores (CCV), instância virtual da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, tínhamos de procurar seguir o que preconizava o tal manual, e, em virtude disso, éramos fiscalizados amiúde e um tanto ansiosamente pelas instâncias federais.
A logística para manter todas as ações previstas se configurava gigantesca. Mais difícil que isso, talvez, era sensibilizar os cidadãos, através das mensagens educativas transmitidas pelos profissionais da Saúde, de que eles eram parte fundamental desse processo de controle. O Poder Público nunca conseguirá dar cabo do mosquito – entenda-se mantê-lo em número reduzido – se a sociedade não se movimentar e contribuir em sua própria residência, nos ambientes de trabalho e nas áreas comuns dos condomínios com a destruição de criadouros… É aí que iniciamos o ponto onde quero chegar, no quantitativo de Agentes de Endemias necessário para realizar essa empreitada.
Vejam o tamanho do problema: cada Agente tem de vistoriar, tudo segundo a publicação supracitada, 1.000 (mil) imóveis num período de 2 (dois) meses, o chamado ciclo de trabalho. No transcorrer do ano, deveria passar no mesmo imóvel pelo menos 6 (seis) vezes. Apenas na capital do Estado do Rio de Janeiro havia, em 2005, cerca de 3.000.000 (três milhões de imóveis) a serem vistoriados a cada ciclo. Precisávamos de 3.000 (três mil) profissionais voltados exclusivamente para as visitas domiciliares, fora os responsáveis técnicos, os supervisores gerais e de campo, os condutores de veículos, os administrativos, as equipes do “fumacê”, da entomologia, da área de educação em saúde, etc. Não dispúnhamos desse quantitativo, obviamente.
Com esse tremendo abacaxi nas mãos, e sem poder contratar mais profissionais por questões que estavam muito acima da alçada da CCV, entendemos que algo deveria ser feito, pois nessa modalidade “tradicional” conseguíamos estar presentes em 45,9% dos então 159 bairros da cidade, sem falar na histórica pendência elevada (imóveis fechados, abandonados e recusados, comunidades em conflito…). Precisávamos evoluir e tratar dessas ações complexas com mais inteligência. Lançamos, após algumas discussões e devidamente autorizados pelas nossas chefias, a Estratégia Lupa. Lupa não é uma sigla, mas a representação de uma visão mais acurada, aproximada.
A estratégia consistia em verificar, após o levantamento de índices de infestação realizado pelos Agentes de Endemias, quais as áreas dos bairros continham populações mais numerosas de mosquitos, e, de posse dessas informações, atuar intensamente na procura dos denominados “macrofocos”, que seriam criadouros expressivos capazes de gerar grande quantidade de mosquitos em curto espaço de tempo. Eles geralmente não estavam sob o alcance dos munícipes e demandavam ação direta do Poder Público para a sua eliminação, muitas das vezes com o envolvimento de outros órgãos da Prefeitura e até mesmo do Estado. Ao lado se encontra um pôster com a nova metodologia, apresentado no XXI Congresso Brasileiro de Entomologia, evento realizado em Recife/PE no período de 6 a 11 de agosto de 2006.
Conseguimos, após a implantação da Estratégia Lupa nas 10 (dez) Áreas de Planejamento da cidade do Rio de Janeiro, marcar presença em 86,2% dos bairros, embora não mais realizando a visitação casa-a-casa, e sim enfocando a eliminação definitiva e rápida desses grandes criadouros de Aedes aegypti.
Mais detalhes no vídeo abaixo:
Belo e importante trabalho que tem que voltar a ser feito. Daqui a seis meses o verão estará de volta.
Sim, meu amigo, o mosquito não dá trégua! Preocupante é constatar o intenso processo de sucateamento dos serviços públicos, em todos os níveis. Vivenciamos um período em que a espoliação foi tanta, provocada de forma criminosa por quem deveria nos representar, que padecemos com uma crônica e nefasta falta de estrutura na área da Saúde.
Meus parabéns, meu amigo, seu blog está muito bom. Desculpe minha ausência, é que ando trabalhando muito mas me coloco à disposição e apoio a vc sempre. Abraços.
Que bom que gostou, prezado Waldemir. A publicação retrata um período de sangue, suor e lágrimas, vivido com muito trabalho e intensidade. Muito obrigado pela atenção e pelo apoio.
Parabéns pelo belo trabalho, Mauro!! O blog está sensacional!
Valeu, Tatiana. Muito obrigado pelo incentivo e pela atenção.
Excelente a forma como foi apresentado o assunto e sou testemunha deste processo a qual estou desde 2001. Parabéns pelo trabalho!!! Tamo Junto!!!
É isso aí, Alexandre. Você é uma das testemunhas vivas desse período!
Parabéns Mauro! Muito bem explanado!!!
Obrigado, amiga Mitiko. Procurei prestar uma colaboração aos colegas que ainda labutam nessa área e para os que chegarão. O controle do mosquito é tremendamente difícil, ainda mais sem a colaboração efetiva da sociedade, mas há instrumentos que podem apontar para um trabalho mais inteligente por parte do Poder Público.