Foco na Febre Amarela

A Febre Amarela (FA), segundo estudos recentes, surgiu no continente africano. A doença já causou epidemias no México e na Europa, nos séculos XVII e XVIII, respectivamente. Os Estados Unidos também sofreram com epidemias de FA nos séculos XVIII e XIX. No Brasil, a FA apareceu pela primeira vez em Pernambuco, no ano de 1685, onde permaneceu durante 10 anos. A cidade de Salvador também foi atingida, com cerca de 900 mortes durante os seis anos em que a mazela ali esteve. Após um período de silêncio epidemiológico que durou muito tempo, a doença foi reintroduzida aqui em 1849, quando registrou-se a primeira grande epidemia na capital do Império, o Rio de Janeiro.

Acreditava-se no passado que a FA era uma doença das cidades populosas, litorâneas, principalmente as portuárias. Na passagem entre os séculos XIX e XX se descobriu que ela era transmitida por um mosquito, um dos motivos que fez, à época, o presidente Rodrigues Alves nomear como diretor-geral de Saúde Pública o sanitarista Oswaldo Cruz. O Brasil não podia permanecer no hall das nações atrasadas. Com ações focadas no controle de mosquitos e no isolamento de pessoas doentes, a diminuição de casos fatais teve drástica diminuição entre os anos de 1903 e 1904: de 469 para 39 mortes.

Descobriu-se posteriormente que a doença era causada por um vírus que também afetava macacos. Por volta do ano de 1933 criou-se a distinção entre FA urbana e FA silvestre, tendo em vista a participação de outros mosquitos, que não o Aedes aegypti, nos ciclos de transmissão. Enquanto alguns vetores são característicos das florestas (gêneros HaemagogusSabethes), e por lá se encarregam de manter o ciclo silvestre, o nosso famoso mosquito da Dengue (agora também da Zika e da Chikungunya) viabilizaria o ciclo urbano.

A vacina antiamarílica começou a ser produzida em 1937 no laboratório Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Até hoje somos um dos poucos fabricantes da vacina no mundo. Com a vacinação da população em áreas de risco e o combate a focos do Aedes aegypti, a FA urbana é finalmente erradicada em 1942, com seus últimos casos registrados no Acre. Após isso, surge de forma pontual e apenas na versão silvestre.

A Febre Amarela tem como sintomas inespecíficos iniciais: febre, cansaço, mal-estar e dores de cabeça e musculares (principalmente no abdômen e na lombar). Mais tarde, em 15% dos infectados, podem  aparecer sintomas mais graves, tais como febre alta, diarreia, convulsões e delírio, hemorragias internas e coagulação intravascular disseminada, com danos e enfartes em vários órgãos. Há ainda hepatite grave com degeneração aguda do fígado, provocando aumento da bilirrubina sanguínea e surgimento de icterícia (cor amarelada da pele, visível particularmente na conjuntiva, a parte branca dos olhos, e que é indicativa de problemas hepáticos). Outros sintomas graves podem surgir, elevando a taxa de mortalidade da doença para 50% ou próximo disso. É como jogar uma moeda para cima, se ficar doente. Dependendo do lado em que ela cair, a morte é decretada. A propósito, não há tratamento específico para essa enfermidade. O tratamento é o de suporte, isto é, o alívio dos sintomas.

O Rio de Janeiro vem sofrendo bastante com essa doença. Apenas em 2018, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ), foram registrados 262 casos de FA em terras fluminenses, sendo 84 óbitos (post atualizado em 19/06/2018). Não temos indicativo, pelo menos por enquanto, de que há transmissão urbana do vírus. Todos os casos são de pessoas que moram/moravam próximo a florestas ou que adentraram nelas por algum motivo. Vários Dias D de vacinação foram promovidos pelo Poder Público, haja visto a baixa procura por parte da população.

Nº de casos e óbitos humanos relacionados à Febre Amarela nos municípios fluminenses, segundo informação da Secretaria de Estado de Saúde/RJ. Mapa atualizado em 05/05/2018.

Muitas carcaças de macacos encontrados mortos foram encaminhadas para exames em laboratório, e em 13 municípios fluminenses confirmou-se que eles estavam infectados pelo vírus da FA. Importante ressaltar, ainda mais por conta da ignorância de certas pessoas que oferecem alimento envenenado aos primatas, que os macacos não são responsáveis pela transmissão da FA. A doença é transmitida exclusivamente através da picada de mosquitos. Outro detalhe importante: sempre que encontrar macacos mortos ou doentes (animal que apresenta comportamento anormal, que está afastado do grupo, com movimentos lentos, etc.), o cidadão deve informar o mais rápido possível às secretarias de Saúde do município ou do estado do RJ. Os macacos nos ajudam como sentinelas, indicando onde o vírus está circulando e por onde iniciaremos as ações necessárias de Saúde Pública.

Nº de casos de Febre Amarela em macacos nos municípios fluminenses, segundo informação da Secretaria de Estado de Saúde/RJ. Mapa atualizado em 05/05/2018.

Fontes: Ministério da Saúde, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, FIOCRUZWikipédia.

Postagem atualizada em 05/05/2018.

Sobre Mauro Blanco

Sou carioca da gema, morador da Zona Oeste, tricolor, bacharel e mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e servidor concursado da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Já atuei como Oficial Temporário no Exército Brasileiro, na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (como Subgerente na Gerência de Vetores), na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (como Coordenador de Controle de Vetores, Coordenador de Vigilância Ambiental em Saúde e Diretor do Centro de Vigilância e Fiscalização Sanitária em Zoonoses Paulo Dacorso Filho), e na Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, instância pertencente à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como Subsecretário.
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2 respostas para Foco na Febre Amarela

  1. Danielle disse:

    Querido amigo e colega. Excelente post sobre a febre amarela! Seria maravilhoso se o acesso fosse de um maior número de pessoas para que pudessem ter estas informações atualizadas como estão! Precisamos criar um acesso público sobre estas notícias de relevância em saúde pública! Gr abraço e bjs

    • Mauro Blanco disse:

      Que bom que gostou, amiga e colega Danielle. Nem em nível de Estado há mapa demonstrando a evolução dessa doença. A iniciativa foi minha. Peço para compartilhar com todas as pessoas interessadas.

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