Das medalhas à (quase) intervenção

Blindado militar Guarani em um dos acessos à favela Camarista Méier. Foi pensado como sucessor do tradicional veículo brasileiro EE-11 Urutu. O custo unitário desse equipamento é de R$3.644.076,17.

Ontem não teve jeito. Por questões familiares tivemos de passar pelos bairros do Méier, Lins de Vasconcelos e adjacências, isso já de tardinha. Durante a manhã, principalmente por conta de alertas de amigos nas redes sociais e mensagens recebidas pelo whatsapp, soubemos da ação que as forças federais estavam empreendendo naquelas localidades, a chamada Operação Onerat, que contou com um contingente de cinco mil homens. Passando por algumas ruas, observamos viaturas blindadas do Exército, agentes da Polícia Rodoviária Federal, policiais civis e muitos militares fortemente armados abordando os carros de civis que por ali transitavam. Pelo coturno marrom dos soldados, tratavam-se de paraquedistas, turma que não costuma papar mosca no serviço. Tiramos algumas fotografias, aqui postadas, de dentro do nosso carro. A maioria foi meu filho mais velho quem as fez, com o celular dele.

Apesar do Estado do Rio de Janeiro estar se esfacelando, com um comando fraquíssimo e visceralmente interligado ao chefão de uma organização criminosa, trancafiado sabe-se lá até quando em Benfica, e com servidores sem salário (pelo menos os que o governador considera de segunda classe, que não devem receber como os segmentos prioritários), não vivemos uma intervenção federal, nem com essa movimentação toda de tropas em nosso território.

Agentes da Polícia Rodoviária Federal em atuação na Rua Borja Reis, altura do bairro de Água Santa.

Embora a intervenção federal esteja prevista em nossa Constituição, por aqui ainda não houve a supressão temporária da autonomia do nosso Estado. Para valer, salvo na hipótese de grave perturbação da ordem pública, onde o Chefe do Executivo autorizaria a intervenção sem apreciação prévia dos outros Poderes da República, a medida, em teoria, deveria ser autorizada por meio de um decreto da Presidência da República, dependente de requisição do Supremo Tribunal Federal. O decreto presidencial também precisaria ser apreciado pelo Congresso Nacional. O Governo Federal poderia, nesse caso, nomear um interventor e, consequentemente, o governador seria afastado de suas funções temporariamente. Fica a pergunta: o que falta, então?

Viaturas militares, incluindo ambulância, estacionadas nas calçadas da Rua Dias da Cruz, no Méier.

Atravessamos perplexos as Calicutes, as Faturas Expostas e as Rio 40 Graus da vida, mas mesmo com a sensação de segurança levemente em alta com esse pessoal todo nas ruas para dar um “sossego” aos cidadãos honestos, bem como as diversas prisões sendo efetuadas, inclusive de alguns “peixes grandes”, ainda nos sentimos, a sociedade fluminense, entregues às baratas e à bandidagem. Claro que a mola mestra disso tudo, desse caos vivenciado, é a corrupção, em grande parte engendrada por entes políticos, eleitos garbosa e eletronicamente via sufrágio universal para nos representar e zelar pela coisa pública.

Outro blindado do Exército Brasileiro, desta vez na Rua Aquidabã, bairro do Lins de Vasconcelos, baseado na entrada do Hospital Maternidade Carmela Dutra. Policiais civis também estavam lá.

Um texto interessante e que recomendo a leitura foi publicado também ontem, no O Globo, cuja autoria é da jornalista Cora Rónai. Ela fala com brilhantismo, em resumo, sobre o que os Jogos Olímpicos representaram para nós e desse sentimento baixo astral que atualmente nos corrói, o de que fomos e continuamos a ser enganados a cada eleição. Um trecho diz o seguinte: “A Olimpíada apenas camuflou a realidade coberta com tapumes, a ferida inflamada por baixo da atadura disfarçada em lamê dourado. Vestimos essa fantasia cara e fugaz, e fomos ingênuos (ou tolos) de acreditar que ela alteraria a realidade”. Esse foi o tal legado, ou o que restou dele, um ano após os festejos e a pompa.

A cara do Rio hoje, após as mais de 300 medalhas brasileiras (incluindo a Paralimpíada), o glamour momentâneo, os equipamentos olímpicos em franco processo de sucateamento e as milhares de sementes de árvores da abertura dos Jogos que, vergonhosamente, sequer tiveram um destino, é aquela flagrada pelo recente saque ao caminhão roubado dos Correios numa favela do Engenho Novo, sob a atenta vigilância de criminosos fortemente armados.

Sobre Mauro Blanco

Sou carioca da gema, morador da Zona Oeste, tricolor, bacharel e mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e servidor concursado da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Já atuei como Oficial Temporário no Exército Brasileiro, na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (como Subgerente na Gerência de Vetores), na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (como Coordenador de Controle de Vetores, Coordenador de Vigilância Ambiental em Saúde e Diretor do Centro de Vigilância e Fiscalização Sanitária em Zoonoses Paulo Dacorso Filho), e na Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, instância pertencente à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como Subsecretário.
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4 respostas para Das medalhas à (quase) intervenção

  1. Roberto Guimarães disse:

    Além do excelente currículo que nos apresenta o brilhante profissional veterinário que é o Mauro Blanco Brandolini, a ele poderíamos acrescentar o título de “jornalista honorário”, haja vista as ótimas matérias apresentadas em seu blog. Parabéns , Blanco.

  2. Jorge Oliveira da Silva disse:

    Parabéns, Mauro Blanco, pela sua explanação sobre este assunto, que todos os Brasileiros deveriam tomar ciência para saber como todos nós somos passados para trás através destes políticos enganadores, que só fazem é para o seus próprios benefícios. O povo que se dane! Vamos nos unir para mudar isto que está acontecendo.

  3. Marcia Regina Lima Morgado disse:

    Parabéns! Muito oportuna sua colocação. Realmente espelha o sentimento de grande parte da nossa gente.

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